sábado, 11 de junho de 2011

Noturno Amarelo


(...)
Vi as estrelas brilhando próximas. Próximo o per­fume da noite que me tomou e me devolveu íntegra. Verdadeira. Encarei Eduarda, pela primeira vez real­mente a encarei, mas era preciso falar? Era mesmo preciso? Ficamos nos olhando e meu pensamento era agora um fluxo que passava das minhas mãos para as suas, estávamos de mãos dadas: sim, eu era ciumenta, insegura, quis me afirmar e tudo foi só decepção, sofri­mento. Tinha o Rodrigo (meu Deus, o Rodrigo) que era o meu querido amor, um amor tumultuado, só imprevisão, só loucura, mas amor. E achei que seria a oportunidade de me livrar dele, a troca era vantajosa, mas calculei mal, logo nos primeiros encontros descobri que a traição faz apodrecer o amor. Na rua, no restaurante, no cinema, na cama - em toda parte, Eduarda, você esteve presente, cheguei um dia a sentir sua respiração. Foi ficando tão insuportável que na última vez, quando ele entrou na cabina para ouvir um disco, eu não agüentei e fugi, estávamos numa loja comprando discos, quero ouvir este, ele disse entrando na cabina envidraçada, me espera um instante. Fui até a vitrina, fingindo procurar Deus sabe o quê e então aproveitei, fugi de cabeça baixa, sem olhar para os lados. Eduarda, diga que acredita em mim, diga que acredita!
Seus olhos, que estavam escuros, foram ficando transparentes. Agora está tudo bem, Laura, estamos jun­tas de novo - parecia me dizer. Estamos juntas para sempre - e apertou com força a minha mão. Mas não deixou que eu me comovesse mais, pegou um biscoito de polvilho que Ifigênia ofereceu, levou-o à minha boca, vamos, você está muito magra, precisa comer, não fique mais triste.
(...)

Lua crescente em Amsterdan


(...)

- Você disse que seria a menina mais feliz do mundo quando pisasse comigo em Amsterdã.

- Tenho ódio de Amsterdã. Eu era tão perfumada, tão limpa. Me sujei com você.

- Nos sujamos quando acabou o amor. Agora vem, vamos dormir naquele banco. Vem, Ana.

Ela puxou-lhe a barba.

- Quando foi que fiquei assim tão imunda, fala!

- Mas eu já disse, quando deixou de me amar.

- Mas você também - ela soqueou-lhe fracamente o peito. - Nega que você também...

- Sim, nós dois. A queda dos anjos, não tem um livro? Ah, que diferença faz. Vem.

- O banco é frio.

Quando ele a tomou pela cintura, chegou a se assustar um pouco: era como se estivesse carregando uma criança, precisamente aquela menininha que fugira há pouco com seu pedaço de bolo. Quis se comover. E descobriu que se inquietara mais com o susto da menina do que com o corpo que agora carregava como se carrega uma empoeirada boneca de vitrina, sem saber o que fazer com ela. Depositou-a no banco e sentou-se ao lado. Contudo, era lua crescente. E estavam em Amsterdâ. Abriu os braços. Tão oco. Leve. Poderia sair voando pelo jardim, pela cidade. Só o coração pesando - não era estranho? De onde vinha esse peso? Das lembranças? Pior do que a ausência do amor, a memória.

(...)


domingo, 1 de maio de 2011

Lygia Fagundes Telles completa 88 anos; conheça sua trajetória


Quando se fala de Lygia Fagundes Telles, um emaranhado de letras e palavras se mistura. A confusão é natural, e em certa medida, a culpa é da autora. Mas muito provavelmente são poucos os que se incomodam com isso. Pelo contrário, as emoções despertas por seus textos fazem sentir, são sentidos, criam recordações não vividas, quem sabe inventadas.

Nascida em 19 de abril de 1923, Lygia completa 88 anos, e suas obras continuam a gerar comentários, agrados e outras histórias. Conhecer sua literatura é dar de cara com personagens interessantes, misteriosos, viscerais. Há toda uma construção na literatura da prestigiada escritora, que usa e abusa das vozes, do pensamento alto e da confusão.

"Ciranda de Pedra" é seu primeiro romance (já havia publicado livros de contos anteriormente), lançado em 1954, e causando espanto em alguns críticos, pela solidez das ideias de uma moça, que nem sequer era professora ou jornalista, mas sim advogada. Formou-se na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, e nunca largou a profissão, tendo se aposentado como procuradora no Instituto de Previdência do Estado de São Paulo.

A vontade de escrever ela sempre teve, e foram os amigos Carlos Drummond de Andrade e Erico Veríssimo, entre outros, que a incentivaram a publicar mais textos. Talvez porque eles fossem sábios ou divertidos, ela acatou as sugestões, e em 1963 lança "Verão no Aquário", vencedor do prêmio Jabuti.

Na década de 70, o livro de contos "Antes do Baile Verde" é premiado na França, e Lygia apresenta seu terceiro romance "As Meninas", uma das obras mais conhecidas de sua carreira, que narra os desencontros de três garotas durante a ditadura militar.

Lygia é uma escritora engajada e vive a questão do terceiro mundo, buscando em suas obras tocar nos assuntos mesmo que de forma suave ou mascarada, contudo, sem esconder a realidade da cena de seu país.

A produção literária não cessa, e ao longo das décadas seguintes acumula os mais diversos méritos, a consagrá-la, definitivamente, em 2005 com o prêmio Camões, o mais prestigiado da língua portuguesa, pelo conjunto da obra.

Lygia Fagundes Telles é homenageada em mostra de cinema


Na programação, estão filmes escolhidas pela escritora e outros inspirados em seus trabalhos

No mês em que completou 88 anos, a escritora Lygia Fagundes Telles será homenageada em uma mostra de cinema a partir do dia 26, na Cinemateca Brasileira, zona sul de São Paulo, com títulos selecionados por ela própria e outros inspirados ou adaptados de suas obras.

Nascida no dia 19 de abril de 1923, ela publicou seus primeiros textos no final da década de 1930 e alcançou sua maturidade intelectual com o romance Ciranda de Pedra(1954). Lygia Fagundes Telles publicou, entre outros livros, Antes do Baile Verde (1970), As Meninas (1973) e Seminário dos Ratos (1977). Ganhou o Prêmio Jabuti por quatro oportunidade e o Prêmio Camões, um dos maiores em língua portuguesa. Foi casada com o crítico de cinema Paulo Emilio Salles Gomes, fundador da Cinemateca Brasileira.


Escolhidos pela escritora estão, entre outros clássicos do cinema, O Atalante, de Jean Vigo,O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, O Último Tango em Paris, de Bernardo Bertolucci, Morte em Veneza, de Luchino Visconti, e A Doce Vida, de Federico Fellini. Dentre as obras inspiradas ou adaptadas de seus livros, destacam-se As Meninas, de Emiliano Ribeiro, As Três mortes de Solano, de Roberto Santos, o curta O Menino, de Luiz Fernando Sampaio, que conta com diálogos assinados pela própria escritora, e o raroLe Ore Nude, de Mario Vicario, longa realizado em 1965, cuja atmosfera e personagens dialogam com o universo romanesco de Lygia Fagundes Telles.

Homenagem à Lygia Fagundes Telles
De 26 de abril a 15 de maio
Largo Senador Raul Cardoso, 207, próximo ao Metrô Vila Mariana
R$ 8 (inteira); R$ 4 (meia)
(11) 3512-6111 (ramal 215)

sábado, 8 de maio de 2010

Lygia na gravação do Letra Livre

No dia 07/05, tive o prazer de participar da gravação do programa, LETRA LIVRE, exibido pela TV Cultura. Na platéia, muitos estudantes, professores e ex-alunos da São Francisco. Os convidados, ilustres artistas que estudaram na primeira faculdade de direito do país: Lygia Fagundes Telles e Décio Pignatari, poeta, ensaísta, professor e tradutor.
Lygia, como sempre, encantou a todos os presentes. Foi emocionante ver jovens que não conheciam sua obra, ficarem sussurando: "como ela é linda, maravilhosa, inteligente..."
Foram 60 minutos de puro êxtase, com as deliciosas histórias contadas por Lygia, no tempo em que era estudante da Faculdade do Largo São francisco, local onde o programa foi gravado.
Abaixo algumas fotos que tirei no decorrer da gravação:






Publicado por Nice

sábado, 21 de novembro de 2009

Futucando a Memória

"Escrever é futucar a memória", diz a autora de "As Meninas" para explicar suas reticências ao falar. Principalmente quando a conversa se aproxima de revelações mais dolorosas sobre a vida e os despenhadeiros da alma, que ela como poucos retrata em seus livros. Mário dá um empurrãozinho discreto e respeitoso. O suficiente para Lygia seguir "futucando as lembranças".

Ela fala da morte prematura do primeiro marido e destacado jurista Gofredo Telles, e mais prematura e dolorosa ainda morte do filho, Gofredo da Silva Telles Neto, o brilhante e promissor documentarista paulista. O jovem com profundas ligações com a Bahia, que amava Salvador com a devoção dos iniciados no axé, nos terreiros de candomblé, da gente que vive no casario do bairro de Santo Antonio, do Além do Carmo e do Pelourinho. Espaços que o filho resgatou "em um dos mais bonitos e comoventes filmes que realizou antes de partir", recorda a mãe comovida.

A escritora lembra também do segundo marido, o saudoso Paulo Emílio Salles Gomes, professor da USP, estudioso e mestre insuperável das coisas ligadas à história e à cultura do cinema brasileiro. Pioneiro das Jornadas de Cinema da Bahia nos anos 60/70, evento hoje internacional, criado e mantido sempre por Guido Araújo.

Perdas e danos que fizeram a autora de "Ciranda de Pedras" e "Antes do Baile" ficar "sozinha, reclusa, solitária". Lygia conta que foi salva das profundezas da depressão pelos livros e personagens de sua obra com os quais segue convivendo, "inclusive o gato", um de seus personagens recorrentes. Salva também, confessa, pela entrada na ABL, onde se sente à vontade na hora do chá e das conversas com os seus iguais.

Ligia confessa no ar, ao final da conversa com Mário, que só fica preocupada quando eventualmente dá um espirro na Academia e sempre aparece alguém cheio de expectativas com a pergunta:

"É pneumonia?"

Se fumasse, teria enfrentado a turma politicamente correta e pedido um legítimo charuto cubano para completar o prazer do domingo em casa. O que se pode pedir mais depois de saborear uma entrevista tão densa e tão rica, mesmo em reprise, com Lygia Fagundes Telles?

Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site-blog Bahia em Pauta ( http://bahiaempauta.com.br/).

Nice

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Em recuperação cirúrgica, Lygia Fagundes Telles volta a andar

A escritora Lygia Fagundes Telles, 86, que se recupera de uma cirurgia de prótese de quadril, voltou a andar.
Segundo a assessoria de imprensa do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, a escritora passa bem e já iniciou o tratamento de marcha, para estimular a atividade locomotora.
(da Folha Online )
(Estamos todos torcendo muito pela sua recuperação Lygia!! Te amamos muito!)

Nighthawks

"Ficou olhando o quadro de Edward Hopper ali na sua frente, Night life e descobriu pasmada que nunca esse quadro teve tanta significação como nessa noite. O limpo e banal café de esquina de uma rua vazia de Nova York, o café quase vazio (só três pessoas no balcão) com o empregado de uniforme branco-azulado lavando coisas debaixo da torneira, xícaras? A longa fila dos banquinhos vazios contornando o balcão, tudo visto do lado de fora, através da comprida vitrine de vidro. O silêncio sem moscas. O vidro sem poeira.E esse quadro estranhíssimo de um café noturno em alguma esquina de algum beco em Nova York. Havia vermelho mas nesse café até a cor vermelha era fria. A solidão medíocre."

Telles, Lygia Fagundes - As Horas Nuas

terça-feira, 14 de julho de 2009

As Pérolas do fundo do baú



*Entrevista Publicada originalmente por Ana Lúcia Vasconcelos* no Cronópios em março de 1986, quando o livro ainda misterioso (As Horas Nuas) estava em fase de finalização.

Sei que você está preparando um novo livro. Será que poderia adiantar alguma coisa em primeiríssima mão?
Lygia Fagundes Telles - Olha Ana, quando eu escrevo, quando estou apaixonada por um livro, prefiro não falar nada. É quando você está apaixonada por um homem, eu fico emocionada com o meu amor. Eu falo neste amor, seja um homem, seja um livro depois que passa. (Risadas) Quando eu estava apaixonada, eu me apaixonei tão poucas vezes, mas enfim, as vezes que eu me apaixonei, paixão humana - eu não conseguia falar, nem sequer com o objeto amado. (Mais risadas).

Mas ele sabia pelo menos?
Lygia - Sabia só que era uma coisa mais de silêncio... A linguagem do silêncio é mais expressiva, mais profunda. Então Ana Lúcia assim se passa com a criação literária. Eu não consigo falar sobre este romance que estou terminando.

Mas você diria que este romance tem alguma novidade em relação aos seus livros anteriores?
Lygia - Ah sim, exatamente. Meus romances anteriores: Ciranda de Pedra, Verão no Aquário e As Meninas são romances que tratam de personagens jovens. E este que estou escrevendo agora trata de uma mulher em plena maturidade, alta maturidade como ela diz. Têm jovens também, mas a personagem principal é uma mulher madura - ela está se aproximando dos setenta. Ela chama de maturidade, mas a amiga diz: não, é velhice. Mas ela mesma não diz, ela escamoteia.

E no mais...
Lygia - No mais tem também a linguagem. Neste romance eu crio uma forma diferente. Eu adaptei uma linguagem de acordo com a trama e as personagens.

Daí então o segredo que você quer guardar?
Lygia - Sim e também porque estou enredada com as personagens, com a trama, enfim estou muito enrolada em mim mesma.

Lygia, gostaria que você falasse do seu processo criativo. Como é que surge a idéia do livro, do conto, do romance para você, desde o embrião até a coisa acabada?
Lygia - É muito complicado, eu não estou fazendo mistério excessivo não, mas é muito misterioso. Comigo, não sei se com outros escritores...

Parece que a Clarice Lispector escrevia em papéis pequenos e depois montava o quebra-cabeça. Você como faz?
Lygia - É eu também tenho muito este processo. Escrevo em páginas, tomo notas. Às vezes estou num taxi e minha personagem diz uma coisa que eu acho que deve ser gravada e eu tiro o caderninho e tomo nota. É uma espécie de colcha de retalhos, onde vou juntando mas por um mistério que eu não explico. As partes vão se buscando, estas personagens, essas frases, essas idéias vêm como que buscando e se montam, olha é tão estranho. São as coincidências na criação literária. Eu dou muito valor ao grão de acaso, ao grão da loucura e ao grão da coincidência. As peças coincidentes se buscam como na nossa própria vida, umas buscam os outros. Eu sou amiga de pessoas que eu amo e que vou amar até a morte porque eu busquei essas pessoas e elas me buscaram.

São as afinidades...
Lygia - São as afinidades, são as coincidências. São pessoas que gostam de mim, como eu gosto delas. Eu as descobri e elas me descobriram. Assim também na trama de um livro, de um texto literário.
Voce diria que vem primeiro: a idéia ou a personagem?
Lygia- Em geral as personagens vêm em primeiro lugar. Elas não têm vida própria ainda, não tem caráter, fisionomia própria, mas ela já vem se introduzindo, se instalando e umas puxam as outras. Aí vêm as coincidências, com o grão de acaso de loucura. Fernando Pessoa tem um verso que eu gosto muito: “Não procures nada que tudo é oculto.” Tudo é oculto.

Você escreve direto à máquina? (naquele tempo não havia computadores)
Lygia - Não eu escrevo muitas vezes em blocos, em folhas avulsas, à caneta, uso canetas de várias cores. Às vezes eu ponho uma tinta vermelha para uma personagem. É uma forma de eu visualizar a papelada dentro das pastas. (Risadas)

Quer dizer, é uma medida prática. E você corrige muito?
Lygia - Demais, demais. Eu gostaria de me corrigir como eu corrijo meus textos. Não consigo me corrigir, já estou montada, armada. Eu gostaria de ser muito melhor, muito mais caridosa mais generosa. Gostaria de ser muitas coisas mais. Mas já estou estruturada, inacessível.

Será?
Lygia - Gostei deste será, isso é muito bonito. Este será me deu esperança de repente. Eu sei que posso mudar. É isso mesmo. Só os idiotas não mudam. Somos mutantes, para o bem ou para o mal.

Sei que você gosta de andar muito, inclusive a Hilda (Hilst) já falou disso. Ela te acha elétrica, super dinâmica e a admiração é maior porque ela se julga exatamente o oposto disso.
Lygia - Olha, eu até tenho uma preocupação com relação a isso. Eu estive lendo que várias pessoas que enlouqueceram (risadas) incluindo a mulher do Scott Fitzgerald...

A Zelda...
Lygia - A Zelda Fitzgerald andava, fazia um bem enorme para ela, até que ela começou a andar dia e noite. (Risadas)

Aí começou a ficar grave.
Lygia - Mas eu ando muito...

E por onde você gosta de andar em São Paulo?
Lygia - Eu ando por aí pelo Jardim América onde tem poucas pessoas na rua, as casas é como se não tivessem janelas, você não vê ninguém, jardins fechados, você só vê cachorro, gente você não vê. E como eu gosto de bicho eu vejo cachorro a beça, ando a beça, e volto para minha casa renovada como a Bíblia manda. Estou nascendo outra vez. Porque eu moro ali perto, eu moro no ultimo quarteirão da Consolação entre a Oscar Freire e a Estados Unidos. Então eu vou por ali tem um clube que eu freqüento que é o Harmonia ali na Rua Canadá.

E por falar em São Paulo você gosta da cidade? Imaginaria viver em outro lugar?
Lygia - Agora é tarde. Moro aqui desde que nasci. Nasci e passei minha infância em pequenas cidades do interior de São Paulo: Sertãozinho, Itatinga, Assis, Descalvado. Minha infância, meus anos verdes passei nessas cidades e desde a infância eu guardo lembranças tão importantes. Olha eu tenho viajado tanto, fui parar na China, na Pérsia, eu digo Pérsia na maneira antiga, não Irã, a Pérsia, Sherazade...

Que maravilha...
Lygia - Viajei demais, fui para todos os lugares possíveis, mas devo dizer o seguinte: talvez nos momentos meus de insegurança e eu tenho muitos momentos de insegurança, de angústia, nesta hora não me lembro da Pérsia, do caviar persa, da China, dos templos lindos de ouro e jade, não me lembro dessas viagens, eu me lembro do quintal da minha infância. Eu menina, os cachorros as mangueiras, minha força - eu digo minhas reservas florestais. E a estas reservas eu recorro muitas vezes.

Mas você gosta de São Paulo?
Lygia - Estou gostando porque está ficando uma cidade que estou quase não reconhecendo. A cidade mudou tanto. Adolescente eu ia ao bairro da Liberdade onde meu avô morava na Rua Fagundes. Então é assim as coisas mudam, as coisas estavam arrumadas, estruturadas. Eu confesso que tenho certa nostalgia daquele tempo, da casa do meu avô Benevenuto de Azevedo Fagundes, coronel da Guarda Nacional do Imperador e justamente o nome da rua em sua homenagem.

De onde vem Fagundes? Portugal?
Lygia - O meu antepassado Fagundes era um grande descobridor, fidalgo português de Viana do Castelo - Portugal sim, o João Álvares Fagundes descobridor e navegador do século XVI. Aliás, estou contanto isso a você porque estou tentando explicar uma coisa que tento explicar para mim mesma que é esta minha vontade de estrada, do mar, do horizonte que talvez venha deste meu antepassado. Ele não sossegava, só sossegou para morrer. Então talvez toda esta minha vontade de viagem, de ir além do que estou vendo, tudo isso talvez esteja ligado a este meu antepassado que descobriu tanta coisa, mas morreu pobre e doente e muito triste, muito desiludido com os homens, mas reconciliado com Deus.

Sei que você viaja muito também para fora do Brasil para participar de palestras, seminários de escritores. Onde esteve nos últimos anos?
Lygia - Ano passado estive na Alemanha num seminário em companhia do Ignácio de Loyola Brandão, Márcio de Souza, João Ubaldo Ribeiro, estivemos em sete cidades falando da literatura brasileira. Todos nós temos livros publicados na Alemanha. Em 1984 estive com o Ivan Ângelo, Haroldo de Campos, Loyola nos Estados Unidos-Nova York, Washington. Estivemos também na Universidade de Georgetown.

O que foi isso? Um Congresso de escritores latino-americanos?
Lygia - Não, havia lá também portugueses. Era um Congresso de Escritores de Expressão Portuguesa. E agora em setembro vou para a Alemanha para a Universidade de Hamburgo para um Seminário com a participação de cinqüenta escritores de todo o mundo. Vão ainda o João Ubaldo Ribeiro, João Cabral de Mello Neto, Ivan Ângelo e Ariano Suassuna. E recentemente também estive em Portugal quando a Cremilda Medina foi lançar o livro A Posse da Terra que é da maior importância porque são perfis de mais de cinqüenta escritores brasileiros. E ela fez o mesmo com escritores portugueses. E agora este ano vai haver outro Congresso de Escritores de Expressão Portuguesa em Portugal que quero muito que a Hilda vá.

E se você tivesse que escolher uma cidade no exterior para morar, qual delas escolheria? Que cidades te encantaram particularmente lá fora?
Lygia - Eu tenho paixão por Barcelona, Lisboa - ah eu amo Lisboa, pois pois. E fiquei apaixonado na Alemanha por uma cidade chamada Heidelberg... e depois tem Paris.

E quem não fica apaixonado por Paris?
Lygia - Ah agora me lembro, veja como citar é perigoso. Eu ia me esquecendo de uma cidade pela qual fiquei apaixonada ardentemente e onde fui correspondida, porque meu livro saiu lá e a edição esgotou: Praga. E quando saiu meu livro eu disse: agora Kafka vai poder me ler...

Onde ele estiver...
Lygia - Onde ele estiver. Eu gostei muito também de Xangai, ambiciosa, a corrompida Xangai. Quando fui para a China logo depois da Revolução de Mao Tse Tung e então Pequim era um quartel mas Xangai com seu charme eu adorei. E gostei muito de uma cidade da Pérsia onde estive com Paulo Emilio (Salles Gomes com quem foi casada como todos sabem), aliás, eu estive com ele em quase todos esses lugares, uma pequena cidade pela qual me apaixonei muito e onde está a tumba de Ciro e que se chama Pazárgada.

Quer dizer que Pasárgada existe?
Lygia - Existe e eu descobri viajando porque é só pisando o chão que você descobre as cidades. Mapa não adianta nada. Então eu estive em Pasárgada que se diz pesado, arrastando o erre. E comecei a chorar porque eu disse: a Pasárgada do Bandeira existe.

Você chegou a conviver com o Manuel Bandeira?
Lygia - Sim foi um grande e querido amigo e veja só: nós nascemos no mesmo dia 19 de abril. Agora (em relação àquela data, 1986) em 19 de abril é o centenário de Bandeira.

Você o conheceu quando?
Lygia - Ah em plena juventude desvairada, eu estava na Faculdade de Direito...

Lindíssima...
Lygia - Eu era bonitinha com aquela boina. Meu primeiro chá com Bandeira foi naquela confeitaria Colombo e outro naquela outra que fica na Cinelândia muito elegante. E tomamos chá com waffles e geléia de abricot e ele muito galante me fez uns versinhos: “Salve o dia 19/em que nascemos os dois? Eu no século passado/Lygia um século depois.”

Agora mudando completamente de assunto: o que você achou do pacote econômico do governo? Do tal choque heterodoxo?
Lygia - Eu estou ainda em estado de profunda perplexidade, estou obnubilada (risos). Estou deixando assentar a poeira fora e dentro de mim mesma. Agora que estou com muita esperança, porque sou visceralmente otimista. Às vezes eu caio em profunda depressão, mas depois levanto e ressurjo das cinzas. Eu quero acreditar. Eu sou uma jogadora, eu jogo com as palavras, eu arrisco. E agora estou arriscando minha esperança nesta revolução.

Você acredita que seremos mais felizes com o Cruzado e companhia?
Lygia - Podemos ser mais felizes. Eu vi uma coisa extraordinária. Eu vi o meu povo que eu amo e que todos dizem que era apático que era morno, eu vi meu povo vibrando. Só vi este povo vibrar assim na dor, quando morreu o Tancredo Neves e nas Diretas Já.

Há uma coisa sobre a qual todos que gostam de ler têm curiosidade incrível. É o dia a dia do escritor. Como é o teu? Você se levanta a que horas. Escreve pela manhã, à tarde?Conte com detalhes.
Lygia - Eu há pouco tempo resolvi fazer o que o Rubem Braga faz: ele se levanta de madrugada para escrever. Eu comecei a levantar de madrugada e estou deslumbrada. Isso porque o cotidiano é uma coisa medonha: o imposto de renda, a empregada que fica doente, o gato, eu amo dois gatos que estão comigo há trezentos anos. Então é o gato que fica doente, a torneira, a pia, aquelas coisas que te consomem. O cotidiano te arranca completamente daquele estado contemplativo. Eu sou uma contemplativa, eu queria ir pro convento. Aliás, hoje os conventos estão muito agitados (risos) já não dá mais. Mas nos tempos dos conventos da Idade Média quando eles eram tranqüilos. Mas sou obrigada a sair da minha contemplação para poder dar conta deste cotidiano. Então agora descobri na madrugada eu produzo muito mais. Baixinho eu ponho meu toca discos, meu Bach, meu Beethoven, Mozart, eu tenho paixão por Mozart, os noturnos de Chopin, então baixinho eu fico ouvindo aquela música, só eu acordada, só eu no mundo, eu tenho vontade de chorar. Mas também tem que deitar cedo. Não me façam propostas desonestas para horas tardias, acabou a boemia. Nove horas estou indo para a cama.

E você acorda que horas?
Lygia - Cinco e meia. Escrevo até as oito que é quando a empregada levanta e faz o café. Acendo meu cigarro e tal e não mexo mais em nada. As oito tomo meu café, vou andar, fazer minha ginástica que faço todos os dias. E aí começa tudo de novo. Estou pensando em montar um estúdio, sem telefone, sem ninguém para poder trabalhar mais tranqüila, para escrever que é a coisa que eu sei fazer.

Lygia o que você está lendo atualmente? Aliás, que tipo de literatura você prefere? Ficção, ensaios?
Lygia - Eu quando escrevo ficção não gosto de ler ficção. Gosto de ler ensaios. Estou lendo um ensaio de Koestler e estou relendo o Becker - A Negação da Morte. Gosto muito de biografias, de história. Há um livro da minha juventude - La Cité Antique do Fustel de Coulanges, que gosto muito e sempre releio para ver os costumes da antiguidade, o sentimento do tempo transcorrido, o sentimento das gerações que passaram e que virão. De repente eu me sinto como um grão de areia, sem a mínima importância e isso é lindo. O que é importante o que pode ser importante é a minha palavra. Então este sentimento da transitoriedade, de quanto somos provisórios, este sentimento do tempo vem muito agudo quando eu leio história: os crimes, os amores, as políticas, as corrupções, enfim a condição humana. Ao mesmo tempo eu tenho o sentimento de que o homem é igual sempre e que ele é diferente sempre e que ele vai passar. E que outros virão. Este oito infinito é a expressão da nossa finitude e da nossa eternidade. Até que venha alguém e aperte o botão. Mas eu creio, eu também leio a Bíblia, eu sou uma espiritualista, eu creio que o homem vai pairar sobre todas as coisas, ele vai sobreviver
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sexta-feira, 10 de julho de 2009

X Orkontro Virtual da Comunidade!!


Aviso aos queridos membros da Comunidade Lygia Fagundes Telles do Orkut:

X Orkontro Virtual da Comunidade!!

Pauta: O DISCURSO DE POSSE NA ABL(que segue em tópico específico no fórum da Comunidade)

Dia: 12/07/2009 Domingo.
Horas: Às 11 hs. da manhã
Msn: comunidadelft@hotmail.com (Atenção que o msn agora é este - Especificando:Orkontro Comunidade Lygia Fagundes Telles)

Contamos com sua presença que é fundamental!!!

Abraço grande e até lá!!

***Aos que nunca foram a nenhum, informamos que é sempre divertidíssimo!!! Pelo menos vcs tem a garantia de um bom papo e ótimas risadas!