sábado, 11 de junho de 2011

Noturno Amarelo


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Vi as estrelas brilhando próximas. Próximo o per­fume da noite que me tomou e me devolveu íntegra. Verdadeira. Encarei Eduarda, pela primeira vez real­mente a encarei, mas era preciso falar? Era mesmo preciso? Ficamos nos olhando e meu pensamento era agora um fluxo que passava das minhas mãos para as suas, estávamos de mãos dadas: sim, eu era ciumenta, insegura, quis me afirmar e tudo foi só decepção, sofri­mento. Tinha o Rodrigo (meu Deus, o Rodrigo) que era o meu querido amor, um amor tumultuado, só imprevisão, só loucura, mas amor. E achei que seria a oportunidade de me livrar dele, a troca era vantajosa, mas calculei mal, logo nos primeiros encontros descobri que a traição faz apodrecer o amor. Na rua, no restaurante, no cinema, na cama - em toda parte, Eduarda, você esteve presente, cheguei um dia a sentir sua respiração. Foi ficando tão insuportável que na última vez, quando ele entrou na cabina para ouvir um disco, eu não agüentei e fugi, estávamos numa loja comprando discos, quero ouvir este, ele disse entrando na cabina envidraçada, me espera um instante. Fui até a vitrina, fingindo procurar Deus sabe o quê e então aproveitei, fugi de cabeça baixa, sem olhar para os lados. Eduarda, diga que acredita em mim, diga que acredita!
Seus olhos, que estavam escuros, foram ficando transparentes. Agora está tudo bem, Laura, estamos jun­tas de novo - parecia me dizer. Estamos juntas para sempre - e apertou com força a minha mão. Mas não deixou que eu me comovesse mais, pegou um biscoito de polvilho que Ifigênia ofereceu, levou-o à minha boca, vamos, você está muito magra, precisa comer, não fique mais triste.
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Lua crescente em Amsterdan


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- Você disse que seria a menina mais feliz do mundo quando pisasse comigo em Amsterdã.

- Tenho ódio de Amsterdã. Eu era tão perfumada, tão limpa. Me sujei com você.

- Nos sujamos quando acabou o amor. Agora vem, vamos dormir naquele banco. Vem, Ana.

Ela puxou-lhe a barba.

- Quando foi que fiquei assim tão imunda, fala!

- Mas eu já disse, quando deixou de me amar.

- Mas você também - ela soqueou-lhe fracamente o peito. - Nega que você também...

- Sim, nós dois. A queda dos anjos, não tem um livro? Ah, que diferença faz. Vem.

- O banco é frio.

Quando ele a tomou pela cintura, chegou a se assustar um pouco: era como se estivesse carregando uma criança, precisamente aquela menininha que fugira há pouco com seu pedaço de bolo. Quis se comover. E descobriu que se inquietara mais com o susto da menina do que com o corpo que agora carregava como se carrega uma empoeirada boneca de vitrina, sem saber o que fazer com ela. Depositou-a no banco e sentou-se ao lado. Contudo, era lua crescente. E estavam em Amsterdâ. Abriu os braços. Tão oco. Leve. Poderia sair voando pelo jardim, pela cidade. Só o coração pesando - não era estranho? De onde vinha esse peso? Das lembranças? Pior do que a ausência do amor, a memória.

(...)


domingo, 1 de maio de 2011

Lygia Fagundes Telles completa 88 anos; conheça sua trajetória


Quando se fala de Lygia Fagundes Telles, um emaranhado de letras e palavras se mistura. A confusão é natural, e em certa medida, a culpa é da autora. Mas muito provavelmente são poucos os que se incomodam com isso. Pelo contrário, as emoções despertas por seus textos fazem sentir, são sentidos, criam recordações não vividas, quem sabe inventadas.

Nascida em 19 de abril de 1923, Lygia completa 88 anos, e suas obras continuam a gerar comentários, agrados e outras histórias. Conhecer sua literatura é dar de cara com personagens interessantes, misteriosos, viscerais. Há toda uma construção na literatura da prestigiada escritora, que usa e abusa das vozes, do pensamento alto e da confusão.

"Ciranda de Pedra" é seu primeiro romance (já havia publicado livros de contos anteriormente), lançado em 1954, e causando espanto em alguns críticos, pela solidez das ideias de uma moça, que nem sequer era professora ou jornalista, mas sim advogada. Formou-se na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, e nunca largou a profissão, tendo se aposentado como procuradora no Instituto de Previdência do Estado de São Paulo.

A vontade de escrever ela sempre teve, e foram os amigos Carlos Drummond de Andrade e Erico Veríssimo, entre outros, que a incentivaram a publicar mais textos. Talvez porque eles fossem sábios ou divertidos, ela acatou as sugestões, e em 1963 lança "Verão no Aquário", vencedor do prêmio Jabuti.

Na década de 70, o livro de contos "Antes do Baile Verde" é premiado na França, e Lygia apresenta seu terceiro romance "As Meninas", uma das obras mais conhecidas de sua carreira, que narra os desencontros de três garotas durante a ditadura militar.

Lygia é uma escritora engajada e vive a questão do terceiro mundo, buscando em suas obras tocar nos assuntos mesmo que de forma suave ou mascarada, contudo, sem esconder a realidade da cena de seu país.

A produção literária não cessa, e ao longo das décadas seguintes acumula os mais diversos méritos, a consagrá-la, definitivamente, em 2005 com o prêmio Camões, o mais prestigiado da língua portuguesa, pelo conjunto da obra.

Lygia Fagundes Telles é homenageada em mostra de cinema


Na programação, estão filmes escolhidas pela escritora e outros inspirados em seus trabalhos

No mês em que completou 88 anos, a escritora Lygia Fagundes Telles será homenageada em uma mostra de cinema a partir do dia 26, na Cinemateca Brasileira, zona sul de São Paulo, com títulos selecionados por ela própria e outros inspirados ou adaptados de suas obras.

Nascida no dia 19 de abril de 1923, ela publicou seus primeiros textos no final da década de 1930 e alcançou sua maturidade intelectual com o romance Ciranda de Pedra(1954). Lygia Fagundes Telles publicou, entre outros livros, Antes do Baile Verde (1970), As Meninas (1973) e Seminário dos Ratos (1977). Ganhou o Prêmio Jabuti por quatro oportunidade e o Prêmio Camões, um dos maiores em língua portuguesa. Foi casada com o crítico de cinema Paulo Emilio Salles Gomes, fundador da Cinemateca Brasileira.


Escolhidos pela escritora estão, entre outros clássicos do cinema, O Atalante, de Jean Vigo,O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, O Último Tango em Paris, de Bernardo Bertolucci, Morte em Veneza, de Luchino Visconti, e A Doce Vida, de Federico Fellini. Dentre as obras inspiradas ou adaptadas de seus livros, destacam-se As Meninas, de Emiliano Ribeiro, As Três mortes de Solano, de Roberto Santos, o curta O Menino, de Luiz Fernando Sampaio, que conta com diálogos assinados pela própria escritora, e o raroLe Ore Nude, de Mario Vicario, longa realizado em 1965, cuja atmosfera e personagens dialogam com o universo romanesco de Lygia Fagundes Telles.

Homenagem à Lygia Fagundes Telles
De 26 de abril a 15 de maio
Largo Senador Raul Cardoso, 207, próximo ao Metrô Vila Mariana
R$ 8 (inteira); R$ 4 (meia)
(11) 3512-6111 (ramal 215)