
Buarque de Holanda.

Foto: Juan Guerra/AE
Lígia Fagundes Telles entrega prêmio para Cristóvão Tezza. Foto: Tiago Queiroz/AE
O escritor Cristóvão Tezza recebeu o troféu de Melhor Livro ("O Filho Eterno") das mãos de Lígia Fagundes Telles. Foto: Tiago Queiroz/AE
-Marília, Carla, Cida e Nice-
E a comunidade de todos aqueles que já sentiram a dor e o êxtase das "palavras-faca" de Lygia Fagundes Telles...
Orkut com os 5.585 membros.
Tesouros de Lygia; autógrafos!!!
"Lygia Fagundes Telles é uma definidora de mistérios, captando enigmáticos instantes, como uma antena que escrevesse."
Natércia Freire (Portugal)
"Uma escritora que transcende o tempo e banaliza com sua imortalidade a efemeridade e os mistérios da vida. Temos entre nós um mito, uma esfinge, um enigma. Temos de abraçá-la como se a literatura tomasse forma, cor, sabor... Suas obras emanam imortalidade, sua sobriedade e fome de viver nos acalanta para sobrevivermos perante a dura verdade de "sermos feito de carne".
(Lygia e uma "cúmplice, a querida Carla)

*Trecho de Apenas um saxofone
(Capa da 2ª Edição)
(1954)
E Yasbeck foi quem mais teve ciúme de mim, até detetive punha me vigiando. Finge que não liga mas a pupila se dilata e transborda como tinta preta derramando no olho amarelo. Já falei nesse olho? É nele que vejo a emoção. O ciúme. Fica intratável. Recusa a manta, a almofada e vai para o jardim, o apartamento fica no meio de um jardim que mandei plantar especialmente, uma selva em miniatura. Fica lá o dia inteiro, amoitada na folhagem, posso morrer de chamar que nao vem, o focinho molhado de orvalho ou de lágrimas. 
Nos tempos dourados aprendi duas palvras que acabaram tendo tanta importância no meu ofício, a palavra liberdade e a palavra justiça. Mas foi no terreno dos esportes que conheci realmente a disciplina, segredo do modesto e quilíbrio desta escritora neste indisciplinado país.
(...)
O chamado. Obedecer a esse chamdo é uma destinação e não condenação, porque nesta entra o amargor que transforma o escritor numa esponja de fel. Obedecer à vocação seria simplesmente exercer o ofício da paixão, era o que me ocorria quando diante da pequena mesa abria o estojo com as canetas, escolhia a pena preferida, molhava no tinteiro e começava a escrever minhas histórias. Mas tomando cuidado para não sujar os dedos, esfregar o mata-borrão melhorava, mas cuidado com a blusa!
Quando me perguntava o que eu queria ser respondia, Escritora. Mas não falava em vocação, tinha pudor em assumir o ofício porque poderia parecer arrogância com um toque até de soberba. Só mais tarde compreendi que na vocação não está incluída a glória, tantas vocações verdadeiras e o silêncio, ninguém leu, ninguém viu. Vocação seria então apenas isto, atender ao chamado sem se preocupar com o resultado, cumprir o aprendizado da paciência e do amor.
(...)Alguns dos meus textos nasceram de uma simples frase ou de uma imagem, algo que escutei ou apenas vi e retive na memória, essa incompreensível faculdade da memória e sem “Sem a qual eu não poderia pronunciar o meu próprio nome”, como escreveu Santo Agostinho. Contos ou romances que nasceram de algum sonho, enfim, a maior parte dos meus trabalhos deve ter origem lá nos emaranhados do incosciente – a zona vaga e imprecisa do mistério. Impossível determinara as fronteiras do criador, os limites do imaginário e do real. Minha obra tem um certo travo de amargor? Anoiteço às vezes como toda gente mas espero pela manhã com seu bíblico grão de acaso, de loucura. E de imprevisto.
"...é só uma constatação. Meu país é este. Aliás, tem uma frase do Renato Russo [cantor e compositor, 1960- 1996] da qual gosto muito: ele dizia que o povo brasileiro não é feliz. É alegre. Tudo é farra, carnaval, e os governantes infelizmente fecham os olhos para tantos problemas. No meu tempo de estudante, eu dizia que se o Brasil tivesse mais creches e escolas haveria menos hospitais e menos cadeias. A frase continua valendo, e agora completo: também haveria menos drogas e menos violência. Nesse contexto não é fácil viver como escritora. E veja que ainda procuro seduzir o leitor, dourar a pílula. Mas também não vou apelar, como muitos, fazendo auto-ajuda disfarçada de literatura!"
Revista Marie Clarie: Foi seu pai [o advogado Durval Fagundes] quem ajudou a publicar o primeiro livro de contos, ''Porão e Sobrado'', quando você ainda cursava o curso ginasial...
No pequeno laboratório de química dos meus tempos ginasiais, aconteciam as mais extraordinárias experiências sob a inspiração do nosso professor. Lembro-me de que era um homem pálido e meio balofo, com a mesma cara secreta de um Buda de bronze que ficava na vitrine dos bibelôs da sala de visitas da minha mãe. Falava baixo esse professor. Enfática era a voz borbulhante dos tubos de ensaio com suas soluções que ferviam sob a chama da lamparina nas famosas aulas práticas. Os misteriosos tubos de ensaio com seus lentos vapores - as fumacinhas escapando das misturas de inesperadas colorações - e que podiam explodir de repente ao invés de darem uma vaga precipitação, ah! o suspense daquelas combinações. Só ele, o químico de avental branco, parecia não se impressionar com as intempestivas ocorrências ao longo da tosca mesa esfumaçada, com ares de uma oficina de bruxaria medieval. Costumava ele fazer no quadro-negro os seus cálculos e, em seguida, anunciava: “Vocês verão agora este líquido amarelo ficar azul”. E o líquido amarelo ficava vermelho. Ele não se perturbava, era um homem calmo. Recomeçava, sem pressa, a operação, enquanto deixava escapar alguns fiapos de monólogo, “acho que algo não deu certo, hem?...”. É, concordávamos, alguma coisa não funcionou, o que seria? E, sem muito interesse pela resposta, voltávamos a acompanhar, com atenta perplexidade, os movimentos do mestre de uma ciência tão austera. E tão esquiva. A malícia, essa escondíamos na expressão meio idiotizada que só conseguem ter os adolescentes. Certa manhã, ele chegou filosofante:

No final, Cida presenteia Lygia e Carlinha marca presença divulgando nossa comunidade.
Como sempre, a delicadeza da grande dama, em atender a todos, apesar de muito cansada, nenhuma palavra áspera, somente gentilezas com seus queridos leitores.
(capa da edição russa)

"Era o que ele estudava. "A estrutura, quer dizer, a estrutura", ele repetia e abria a mão branquíssima ao esboçar o gesto redondo. Eu ficava olhando seu gesto impreciso porque uma bolha de sabão é mesmo imprecisa, nem sólida nem líquida, nem realidade nem sonho. Película e oco. "A estrutura da bolha de sabão, compreende?" Não compreendia. Não tinha importância. (...)